O polêmico Projeto de Lei das Fake News.

Recentemente se intensificaram no Brasil os debates sobre os limites da liberdade de expressão na Internet e sobre a necessidade de estabelecimento de regras no denominado ciberespaço, no bojo das discussões a respeito do denominado PL das Fake News – Projeto de Lei nº 2.630, de 2020. O aludido projeto, que vem sendo discutido há mais de 5 anos, mas que somente recentemente chegou ao grande público, é uma proposta legislativa que busca combater a disseminação de informações falsas e garantir maior segurança no ambiente digital e tangencia boa parte dos grandes temas hoje em debate quanto a regulação deste importante setor.

No cerne da discussão se encontram certas contradições atinentes à natureza da regulação como, por exemplo, a necessidade de se estabelecerem mecanismos de filtro do conteúdo veiculado nas redes e o estabelecimento de hipóteses de vedação ou controle de informação veiculada por certos grupos e vertentes, mecanismos que, podem vir a limitar ou cercear a liberdade de expressão dentro de plataformas digitais.

Portanto, o debate em torno do Projeto de Lei das Fake News levanta a questão de como equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de combater a desinformação e proteger a sociedade contra os danos causados por notícias falsas. Alguns defensores do projeto argumentam que a regulação é necessária para evitar abusos e garantir um ambiente mais seguro para os usuários da internet. Por outro lado, críticos afirmam que a lei pode restringir o direito à livre expressão e abrir espaço para a censura, caso não sejam definidos critérios claros e objetivos para a identificação e remoção de conteúdo falso, evitando ao máximo a arbitrariedade e garantindo o direito a recurso para os afetados por eventuais medidas restritivas.

   Outro aspecto em discussão diz respeito à definição da responsabilidade dos provedores de conteúdo, como redes sociais, plataformas de compartilhamento de vídeos e aplicativos de mensagens, empresas que desempenham um papel fundamental na disseminação de informações na internet  e que, muitas vezes, são utilizadas como veículos para a propagação de fake news. O projeto de lei propõe que esses provedores sejam responsabilizados pelo conteúdo publicado em suas plataformas, exigindo maior transparência e a adoção de medidas para evitar a disseminação de notícias falsas, caso as empresas não tenham mecanismos eficientes para identificar e remover conteúdo enganoso, além de facilitar a responsabilização legal em casos de abuso ou danos causados pela divulgação de informações falsas.

Uma crítica plausível, entretanto, é de que, ao responsabilizar as empresas, estará o Estado “terceirizando a censura”, uma vez que, temendo serem punidas, as empresas do setor assumirão a tarefa de monitorar o tráfego e restringir a veiculação de mensagens para determinados usuários ou grupos que considerem inadequados e passíveis de gerar risco jurídico. No plano prático, ainda, a implementação de tais medidas pode representar um desafio técnico dada a quantidade massiva de conteúdo gerado diariamente nas plataformas digitais, que passaria ter que ser obrigatoriamente revisado pelas plataformas.  

Dentre as regras gerais, o projeto de lei veda o funcionamento de contas inautênticas e de contas automatizadas não identificadas como tal, bem como prevê a possibilidade da exigência de confirmação de identificação de usuários e responsáveis pelas contas. Há, ainda, a previsão de adoção de procedimentos de moderação, assegurando aos usuários o direito de reparação por danos individualizado ou difuso aos direitos fundamentais e o direito de recorrer da indisponibilização de conteúdos e contas.

Especificamente para os serviços de mensageria privada, há previsão de limitar o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos, e de consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos de mensagens. Para os provedores de redes sociais há obrigações, por exemplo, de produção de relatórios trimestrais de transparência e de identificação de todos os conteúdos impulsionados e publicitários.

Com a aprovação do Projeto e a sua conversão em lei, empresários que possuem presença online com o uso de plataformas devem implementar medidas mais rigorosas para garantir que o conteúdo divulgado por eles ou por seus seguidores seja verdadeiro, o que, diga-se de passagem, é uma obrigação ética já contemplada pela legislação atualmente em vigor. A necessidade de identificação na criação de contas em plataformas deve impactar, igualmente, a dinâmica da rede, vez que se tornará mais difícil a adesão a determinados produtos e serviços digitais.

Não existe dúvida da necessidade de regulação do setor e, possivelmente, parte da controvérsia tivesse sido dissipada caso o projeto fosse menos complexo e pudesse ser mais bem compreendido pela população. Entretanto, seguindo uma prática já comum no processo legislativo brasileiro, vários temas conexos se encontram também regulados no PL como, por exemplo, o do pagamento de direito autorais a artistas e jornalistas pela veiculação de suas obras através de links ofertados por plataformas o que incrementa a complexidade e, consequentemente, as polêmicas em torna da aprovação do Projeto.

A complexidade das discussões e a relevância dos temas fez, inclusive que o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das fake news (PL 2630/20) retirasse o mesmo da pauta de votação na primeira sessão marcada, o que adiou a decisão e reabriu a possibilidade de a sociedade avançar e caminhar no debate, visando o estabelecimento de uma regulação racional para a matéria que contenha o uso indevido das denominadas fake News sem abrir uma perigosa porta para o cerceamento da liberdade de expressão e ou estabelecimento de qualquer tipo de censura, seja ela privada ou estatal.

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